quinta-feira, 25 de setembro de 2008

MAMULENGOS: BONECOS QUE MUDAM VIDAS

Maria Fernanda Rezende da Mata , Kelly C. Maciel Guimarães , Orientadora: Profª MSc Maria Valdelis Nunes Pereira

Resumo: Este trabalho buscou conhecer o espaço de educação não formal. Para tal, deu –se a escolha de uma entidade denominada Instituto Mamulengo Social, sediada na cidade de São José dos Campos. Dentre as inúmeras frentes de trabalho desenvolvidas pelo Instituto foi focalizado o núcleo Sonho de Criança que tem como público alvo crianças em situação de rua. Além de investigar a relação do teatro Mamulengo com o trabalho social desenvolvido, foram feitas entrevistas com as crianças atendidas, no intuito de analisar qual a importância do projeto social para a vida destas.

Palavras-chave: mamulengo, criança, rua, projeto, escola

Área do Conhecimento: Ciências Humanas

INTRODUÇÃO

A temática social vem sendo progressivamente incorporada à discussão sobre o papel das escolas na atualidade. Cada vez mais, os educadores se conscientizam da importância de conhecer a realidade vivida pelos educandos e também da necessidade da abertura do espaço escolar para as comunidades a que estes pertencem. Portanto, o espaço escolhido se constitui na entidade denominada Instituto Mamulengos Social, situada em São José dos Campos.Um aspecto relevante para essa escolha foi o conhecimento prévio por parte de membros do nosso grupo da credibilidade do trabalho realizado por essa instituição.Outro ponto de interesse foi o fato da metodologia utilizada ter se originado do teatro de bonecos denominado Mamulengo. Diante disto, para o desenvolvimento da nossa investigação, foi organizado o trabalho em cinco focos. Um breve estudo sobre o terceiro setor, o que é o teatro Mamulengo, a metodologia do teatro utilizada pelo Instituto Mamulengo Social, como funciona a entidade Sonho de Criança e por fim, entrevistas com as crianças e a análise destas.

Nesse sentido, como futuros professores, o objetivo geral desta investigação foi conhecer um outro espaço educacional que não o da escola formal e avaliar a sua importância para a vida das crianças atendidas.

O TERCEIRO SETOR

Sabe-se que existe a divisão entre os setores público e privado que separa o Estado, primeiro setor, aquele que presta serviços à população e as empresas, segundo setor, que visa o lucro como meta principal. Porém, atualmente, tem se destacado o terceiro setor.

O terceiro setor, segundo legislação, tem sido identificado com o conceito de sociedade civil. É formado pelas entidades jurídicas não governamentais, sem finalidade lucrativa, objetivando o bem da coletividade. Nesse sentido a Instituição Mamulengo Social pertence a esse terceiro setor.

MAMULENGOS

Pesquisadores do assunto afirmam que a história dos bonecos atores é tão antiga quanto a história do homem. Sabe-se que essa prática vem desde a antiguidade, no Oriente, tendo como representatividade a religiosidade.

Uma vez que a origem destes bonecos se deu no oriente surge a questão de como IX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e V Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1080 essa manifestação teria chegado ao Brasil. Ao que tudo indica existem suposições de que os colonizadores portugueses teriam trazido esse tipo de teatro ao Brasil por volta do século XVI, visto que, na época, vivia-se o apogeu desta manifestação na Europa. Supõe-se que em nosso país os bonecos tenham surgido dos presépios. As funções do grupo de mamulengueiros são divididas entre vários participantes:o mestre, contramestre, ajudante, intermediador e músicos.

Os diálogos são criados no momento do espetáculo e a platéia participa de forma constante e ativa, sendo grande a criatividade dos bonequeiros.

Dentre os personagens do mamulengo alguns aparecem com freqüência e estes podem ser classificados como humanos, animais e fantásticos. Fazem parte do núcleo dos humanos: o Capitão, o Padre, o Sacristão, o Janeiro, o Causo- Sério, a Chica, os militares, os advogados, os negros de briga e os cangaceiros.

METODOLOGIA MAMULENGA

Algumas características da filosofia mamulenga foram incorporadas pelo grupo teatral Estranhos Mamulengos. Durante as apresentações os bonecos sempre contestam aqueles que oprimem e prejudicam o povo, seja o coronel, a polícia ou um político esperto. Para isso é preciso que haja muita observação e visão crítica.

Outro ponto incorporado é a simplicidade da estrutura utilizada. Tanto o teatro popular como os projetos sociais buscam aproveitar todos os recursos que possuem, buscando funcionar com baixo custo e otimizar recursos. Essa é uma particularidade que o terceiro setor consegue realizar, diferentemente do poder público que acaba gastando muito da verba destinada a um determinado fim durante o trajeto de sua burocracia. A questão da agilidade e do improviso também são características adquiridas do teatro de bonecos. No dia a dia de uma instituição de atendimento a crianças e jovens esta atitude é relevante não há como saber o que irá despertar o interesse destes. Outra questão que exige agilidade e improviso é quando um novo projeto vai ser implantado. Ele precisa ser avaliado constantemente, transformando o que está errado rapidamente para evitar gastos desnecessários.

PROJETO SONHO DE CRIANÇA
Dentre todo o universo de trabalhos desenvolvidos pelo atual Instituto Mamulengo Social o espaço escolhido foi o Sonho de Criança. Esta escolha se deu devido ao fato do público atendido ser formado por crianças em idade escolar, mas que por alguma razão se encontravam nas ruas engrossando as estatísticas do trabalho infantil em nosso país. A situação retira destas crianças os direitos fundamentais dispostos no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Considerando o princípio de que as crianças devem ter seus direitos garantidos como cidadãos e que faz parte do compromisso de futuros educadores a compreensão da realidade vivenciada por estas, faz-se necessário conhecer para transformar esse quadro, participando como atores e não como meros espectadores de uma realidade dura e cruel.

Confrontando essa realidade, o trabalho do Sonho de Criança inicia-se pela abordagem com as crianças em situação de rua. Isso pode ocorrer diversas vezes, pois nem sempre as crianças são receptivas em um primeiro momento. Em seguida elas são convidadas a conhecer o espaço da entidade e brincar com algo que lhes agrade.

A arte tem um papel fundamental nesse primeiro momento, conquistando a criança e possibilitando que ela vislumbre outros horizontes. A dança, a música, as artes plásticas, o teatro, tudo isso serve de atrativo para que as crianças possam se interessar por atividades distintas das realizadas nas ruas.

AS CRIANÇAS

Ressaltando que o objetivo deste trabalho foi conhecer a realidade de um espaço educacional diferente da escola e avaliar a importância deste para a vida das crianças atendidas, houve a necessidade de interagir, acompanhando algumas atividades. Desta forma, foram entrevistadas cinco participantes do projeto Sonho de Criança que apresentaram o seguinte perfil: idade cronológica entre 9 e 13 anos, sendo quatro do sexo masculino e uma do feminino.

Alguns assuntos foram abordados com os entrevistados como a situação vivenciada por IX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e V Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba.

Estes na escola, na entidade Instituto Mamulengo Social, no Projeto Sonho de Criança e nas ruas.

A CRIANÇA E A ESCOLA FORMAL

Sobre a escola, as crianças citam as atividades que lá desenvolvem. Ressaltam a importância de aprender a escrever, destacam disciplinas que estudam, entre estas ressaltam atividades com vídeo. Esclarecem, que além de assistir aos filmes, precisam escrever sobre o que compreenderam destes. Nota-se que reconhecem que tal atividade além de lúdica tem a finalidade de aprendizagem, como demonstra a fala a seguir:

"Legal, a gente aprende a escrever. A professora passa um tanto de coisa no quadro. Tem um tanto de professores, tem aula de matemática, português, ciências e aula de vídeo. Passa um monte de filme e depois escreve o que entendeu. Eu já vi Nêmo e Branca de Neve".

Sobre os professores da escola, destacam a forma com que estes tentam lidar com a indisciplina. As próprias crianças parecem justificar atitudes como gritar com alunos como aceitável desde que seja para solucionar a bagunça da sala. Eles afirmam também que nem sempre gritar resolve, e que algumas vezes os alunos só ficam quietos se forem aplicadas advertências. As afirmações se entrecruzam e trazem a tona o uso de punição diante da indisciplina na escola: Quando os meninos fazem bagunça a minha professora dá advertência e manda pra diretora. Professora que grita com a gente é chata mas ela só grita quando faz bagunça.

AS CRIANÇAS E A RUA

Ao abordamos o assunto de como era a vida das crianças antes de freqüentarem o projeto elas contam algumas atividades que exerciam. O fator que motiva o trabalho também surge nas falas:
"Eu ficava na rua olhando carro. Eu ficava fazendo malabares no sinal pra comprar roupa e comida. Muita gente que faz malabares usa o dinheiro pra comprar droga. Eu carregava sacola na feira".

AS CRIANÇAS E O PROJETO SONHO DE CRIANÇA

A respeito do Sonho de Criança contam das atividades lúdicas que desenvolvem e apontam para questões como o respeito ao outro. Marcam um diferencial quanto a forma com que são tratados quando fazem algo errado. Desta vez o respeito parece vir não só do educando para com o educador mas também do educador para com o educando. Outro ponto relevante diz respeito ao número de alunos em sala de aula. O excesso de alunos por sala que é encontrado nas escolas formais não é visto com bons olhos pelos entrevistados. A respeito do Sonho declaram : "Aqui não pode falar palavrão. A gente aprende a fala com educação. O professor do projeto não grita, só conversa. Na escola tem um tanto de aluno na sala, isso é chato, fica muita gente gritando, aqui não tem muita gente na sala".

Questionadas sobre o que estariam fazendo se não estivessem no Sonho de Criança, unanimemente respondem:"Eu taria na rua, no sinal, fazendo malabarismo. Eu ia olhar carro. Eu ia ta em casa".

A respeito se algo havia mudado na vida dos entrevistados após começarem a freqüentar o projeto, surgiram as seguintes respostas:

"Mudou tudo. Sai da rua. A professora não grita comigo. Aprendi a respeitar os outros".
Considerações finais

A avaliação do impacto de um programa social demanda uma pesquisa mais profunda, devido a sua complexidade, porém acreditamos que este contribui bastante para a formação de crianças e jovens. Para tal, a valorização da cultura brasileira contribui na medida em que é utilizada não como um objeto de estudo, como ocorre em muitas escolas, mas como uma filosofia de vida como fazem os Mamulengos, que têm como herói, aquele que não é o certinho, mas o contestador, o que pensa, o cidadão.

O professor que acredita no seu aluno e é defensor inflexível de seu potencial tem o poder às vezes de salvar uma vida, principalmente no caso de criança em situação de rua. Ele consegue melhorar a auto-estima da criança, pois não aponta a ela apenas os erros que cometeu, aponta, sim, a possibilidades da criança ser criança, de vivenciar o lúdico e prazeroso e desta forma proporciar auto confiança.

Referências Bibliográficas
(1) AMAS – Associação Municipal de Assistência Social. Programa de Criança: Brincar e Estudar – A construção de uma metodologia de combate ao trabalho infantil.Belo Horizonte, 1999.
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069-90, Belo Horizonte, 1999.
DIMENSTEIN, Gilberto, ALVES Rubem. Fomos Maus Alunos. Papirus, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia- Saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 1996.
SANTOS, Fernando Augusto Gonçalves. Mamulengo um povo em forma de bonecos. MEC/ FUNARTE, 1979.

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